A hora da escola pública
Um dos primeiros atos da ditadura militar, em 1963, foi o decreto do arrocho salarial. Tinha vigência também para o serviço público, que foi vítima privilegiada das políticas de contenção do consumo popular por parte dos governos militares. Fazia parte de um modelo econômico concentrador de renda, que privilegiou o consumo das altas esferas do mercado e a exportação, em detrimento da extensão do mercado interno de consumo popular, responsável pelo aprofundamento das desigualdades e da exclusão social no Brasil. Uma das conseqüências dessa medida - que perdurou durante quase todo o período ditatorial – foi a degradação dos serviços públicos em geral e dos de saúde e educação em particular. A partir daquele momento, amplos setores da classe média passaram a fazer um esforço extra e a incluir no seu orçamento o pagamento de escolas particulares e de planos privados de saúde. Entre as graves conseqüências dessas transformações estão a ruptura da convivência entre crianças e jovens das classes pobres e da classe média nas escolas públicas e, paralelamente, uma aliança – essencial para a democracia – entre esses dois setores, pela defesa da escola pública. Este tema passou a ser “tema de pobre”, com dificuldade de encontrar visibilidade pública, embora a escola pública continuasse a abrigar a grande maioria das crianças e jovens. Intensificou-se a pirâmide cruel, em que as famílias de classe média e alta usufruem do ensino privado, para posteriormente disputar, em melhores condições as vagas das universidades públicas – reconhecidas como as melhores. Fenômenos mais recentes começar a mudar esse panorama. Por um lado, dados revelados esta semana confirmam a transferência significativa de matrículas das escolas particulares para as públicas, como resultado das dificuldades financeiras de setores da classe média. No ensino médio, aumentaram em 136,5% as matrículas, entre 1994 e 2005, enquanto nas escolas particulares diminuíram em 7%, no estado do Rio. No ensino fundamental os dados são de aumento de 17,6% nas públicas, contra 4,7% nas privadas. Por outro lado, o projeto de lei do governo federal reservando a metade das vagas das universidades públicas federais para os alunos provenientes das escolas públicas, torna-as mais atraentes, pode incrementar essa migração e, com ela, favorecer o restabelecimento do campo comum de interesses e de aliança entre as classes pobres e a classe média. Numa sociedade socialmente democrática deve haver escola pública, em todos os níveis, de qualidade similar para todos. Se as pessoas nascem com grandes desigualdades sociais, a escola deve contribuir para diminuir esse abismo e não para aprofundá-las. Quem quiser, por razões religiosas ou outras, ter seus filhos em escolas privadas, pode fazê-lo, mas todos os que quiserem devem gozar do mesmo ensino – gratuito e de qualidade. Esta é uma das funções mais importante de um Estado democrático. Os temas da esfera pública são os essenciais para a construção de uma democracia com alma social, de inclusão e de universalização de direitos. Emir Sader - Sociólogo.