25 de Junho de 2012 às 23:59
Paraguaios e descendentes em Mato Grosso do Sul chamam de 'golpe' a queda de Lugo
Entre os descendentes de paraguaios que vivem em Mato Grosso do Sul, estado brasileiro que tem a maior área de fronteira com o Paraguai e grande influência cultural do país vizinho, o processo que depôs Fernando Lugo na última sexta-feira (22) e colocou Federico Franco na presidência é considerado um ‘golpe constitucional’.
A maioria não reconhece o impeachment nem o novo presidente, embora admitam que a situação seja irreversível.
“Infelizmente o Paraguai já tem um histórico de golpes e a gente logo teme pela manutenção da democracia. Mesmo com o discurso de que o rito constitucional foi seguido, é grande o prejuízo para a imagem internacional do país”, diz Solano Dionísio Cáceres, militante político de extrema esquerda que vive no Brasil desde 1978, quando fugiu do governo militar de Stroessner.
A revolta da maioria dos ‘paraguaios sul-mato-grossenses’ com a deposição de Lugo, primeiro presidente esquerdista eleito no Paraguai após seis décadas de governos de direita, está ligada ao perfil histórico da colônia paraguaia em MS.
Assim como Solano, boa parte dos paraguaios que se mudou para Mato Grosso do Sul nos anos 60, 70 e 80 o fez por motivações políticas, fugindo da repressão aos movimentos sociais durante os governos do Partido Colorado.
Ao contrário dos movimentos migratórios mais recentes, que levam em conta melhores condições de vida no lado brasileiro, como a assistência médica gratuita do SUS, ou subempregos na área rural, as famílias paraguaias que se estabeleceram em solo sul-mato-grossense nos últimos 40 anos acompanham a vida política do Paraguai com olhar crítico.
“A maioria aqui vê como um golpe de estado. Apesar de ser constitucional, foi um golpe porque não houve ampla defesa para o presidente que havia sido eleito democraticamente”, diz Silvio Cantero, presidente eleito da Associação Colônia Paraguaia, de Campo Grande.
Segundo ele, Lugo se tornou vítima por não possuir a maioria no parlamento paraguaio.
Em Mato Grosso do Sul, onde vários produtores rurais, inclusive políticos no lado brasileiro, possuem grandes extensões de terra em território paraguaio, a questão agrária é reconhecida como grande motivo para a rápida deposição de Lugo.
Segundo as agências internacionais, o Paraguai tem 80% das terras em poder de apenas 2% da população. Quase 40% da população vive na pobreza e a corrupção é um dos maiores problemas.
Rito sumário
Eleito em 2008 com apoio dos movimentos sociais, o sociólogo e ex-bispo católico Fernando Lugo enfrentou um processo de cassação do mandato que durou menos de dois dias. Os advogados do presidente apresentaram a defesa às 13h20 do dia 22. Poucas horas depois, às 18h27, ele foi afastado por 39 votos a 4, com duas ausências.
Lugo foi oficialmente acusado pelo Congresso de ‘mau desempenho das funções’ após ser apontado como responsável por uma operação policial que terminou com 17 mortos, entre policiais e integrantes de movimentos sociais que lutam pela reforma agrária, em 15 de junho.
Menos de duas horas após o impeachment, o vice-presidente eleito com Lugo, Federico Franco, já estava realizando o juramento e recebendo a faixa presidencial.
A representação oficial do governo paraguaio em Mato Grosso do Sul, no entanto, diz que continua fiel à ordem constitucional. Segundo a consulesa paraguaia em MS, Eliza Aguayo Rolón, até este domingo (24) a Embaixada do Paraguai no Brasil não enviou nenhum comunicado oficial sobre os fatos que abalaram o país.
“Não recebemos ainda nenhuma orientação específica, mas em tudo se deu o cumprimento da Constituição. Estamos aqui para cumprir as ordens do Governo Paraguaio, não para avaliar”, disse a consuleza.
O Erro de Lugo
Enquanto isso, no lado paraguaio, os brasileiros, geralmente produtores rurais, e muitos latifundiários, estão animados com a queda de Lugo.
Como a questão agrária atinge diretamente os chamados brasiguaios, que chegaram a ter propriedades invadidas em algumas regiões do Paraguai, o afastamento do presidente que tinha ligações com os movimentos sociais é considerada uma vitória.
“Realmente o Lugo, como presidente, além de não ter a maioria no parlamento, foi pouco firme na questão da terra. No problema dos campesinos, é preciso atender às reivindicações sociais, mas ser firme”, pondera Cantero.
O golpe final na estabilidade do governo deposto, que já estava desgastado após constantes escândalos sexuais envolvendo o ex-padre, foi o Partido Liberal Radical Autêntico, do então vice-presidente Franco, ter retirado o apoio à coalizão socialista que elegeu Fernando Lugo.
A troca de presidentes ainda não foi reconhecida por vários governos latino-americanos. O Governo Brasileiro, ainda na noite de sábado (23), convocou com uma nota oficial o embaixador do Brasil no Paraguai para ‘consultas’. O Itamaraty também condenou o "rito sumário" de destituição de Lugo.
Divulgação
Nesta segunda-feira (25) o embaixador brasileiro no Paraguai, Eduardo dos Santos, deve retornar a Brasília para repassar ao Ministério das Relações Exteriores informações sobre a situação política paraguaia. Dependendo do que o embaixador informar ao governo, ainda não está afastada a possibilidade de o Brasil retirar a representação diplomática no país vizinho. (Com informações das agências internacionais)
Fonte: Midiamax Campo Grande