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1 de Janeiro de 2001 às 22:59

O NOVO MAPA POLÍTICO DA AMÉRICA LTATINA

Economia solidária, desenvolvimento sustentável e participação popular são alguns temas gerais da nova agenda do continente, ainda sem contornos bem definidos. O que unifica o discurso é a oposição à política imperial do governo Bush “Não se pode pedir que Hugo Chávez faça o que Fidel Castro faz. Do mesmo modo, não se pode pedir que Lula faça o que Chávez faz, ou que Evo Morales faça como Lula, ou que Kirchner faça como Evo, ou que Tabaré Vázques faça como Chávez, e assim em diante. Tudo é um processo e cada um tem as suas circunstâncias.” As declarações do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, durante o Fórum Social Mundial 2006, em Caracas, são extremamente ilustrativas a respeito do momento político vivido pela América Latina. Ao renovar o apoio ao governo Lula, como havia feito no FSM 2005, em Porto Alegre, Chávez, além de enviar um claro recado para setores de esquerda que fazem oposição aberta ao atual governo brasileiro, estava chamando a atenção para a janela histórica que se abriu na América Latina, com a eleição de vários governos declaradamente de esquerda ou ao menos ligados a sua tradição. Uma janela, segundo ele, que representa uma grande oportunidade. De fato, as mudanças no mapa político da América Latina compõem uma clara tendência: um a um, Brasil, Argentina, Venezuela, Uruguai, Bolívia e Chile elegeram ou reelegeram governos de maior ou menor afinidade com a tradição da esquerda latino-americana. Sem contar o ineditismo histórico, para o continente, de alguns cenários – como a eleição da primeira liderança indígena na Bolívia; da primeira presidenta no Chile, Michelle Bachelet, que aliás montou um também inédito ministério, com 50% das pastas ocupadas por mulheres. Há quem conteste a existência de uma “guinada à esquerda”, lembrando, por exemplo, que o Chile, Brasil e Uruguai mantêm, em suas linhas mais gerais, semelhanças com o modelo macroeconômico que herdaram. Se, por um lado, há verdade nesta afirmação, por outro, ela não considera mudanças em outras áreas que estão movimentando a balança geopolítica na região. O projeto de uma integração latino-americana, alternativo à proposta de criação da Área de Livre Comércio da América (ALCA), ganha corpo a cada dia e já se traduz em políticas concretas, como ocorre principalmente no setor energético, com Brasil, Argentina e Venezuela. Um socialismo do século 21? A face mais ofensiva dessas mudanças é, sem dúvida, o governo de Hugo Chávez e sua Revolução Bolivariana. Chávez vem adotando um crescente tom anti-imperialista em seus discursos e já fala abertamente na necessidade de construção do “socialismo do século 21”. Durante o FSM 2006, Chávez concordou com a formulação feita pelo intelectual egípcio Samir Amim, para quem falar de socialismo hoje significa partir dos problemas e desafios que a sociedade capitalista apresenta de modo muito concreto: a militarização da agenda política das nações, o imperialismo, a destruição progressiva do meio ambiente, o crescente déficit democrático e a mercantilização da vida. Obviamente, a opinião dos novos governos latino-americanos sobre essa agenda é bastante diferenciada. Na linha de frente desse projeto estão centralmente os governos da Venezuela, Cuba e Bolívia. Com uma novidade importante: o crescente apoio dos movimentos sociais. O crescimento dessa articulação entre movimentos sociais e governos de esquerda também ficou evidenciado no Fórum de Caracas. O italiano Mimmo Porcaro, da Associação Cultural Punto Rosso, resumiu assim o ambiente que encontrou: “Para nós, europeus, chegar aqui na América Latina é como uma experiência de renascimento. Vocês estão tendo a coragem de usar de novo uma palavra que, entre nós, está praticamente banida. Na Europa, ‘socialismo’ tornou-se uma palavra quase impronunciável. Os grandes partidos comunistas transformaram-se em ideólogos do neoliberalismo”. Esse socialismo que começa a freqüentar de novo os discursos políticos na América Latina não repete fórmulas tradicionais da história da esquerda. Não fala em fim da propriedade privada ou ditadura do proletariado. Economia solidária, cooperativismo, desenvolvimento sustentável e participação popular são alguns dos princípios gerais que compõem uma agenda ainda sem contornos bem definidos. O que unifica o discurso, acima de tudo, é a oposição à política imperial do governo Bush. Políticas sociais e eixo energético Essa agenda, como já foi dito, revela-se com maior nitidez em três países: Cuba, Venezuela e Bolívia. A eleição de Evo Morales potencializou essa tendência e já produziu algumas mudanças significativas na política interna daquele país. Como relatou o sociólogo Emir Sader, que acompanhou a mudança política na Bolívia, Evo Morales foi o primeiro presidente latino-americano eleito que fez sua primeira viagem internacional a Cuba. Depois foi a Venezuela. Em Cuba, assinou convênios para erradicar o analfabetismo – tornando a Bolívia o terceiro país do continente, junto com Cuba e Venezuela – a atingir esse objetivo. Seguindo também o exemplo da Venezuela, a Bolívia assinou acordos com Cuba na área de saúde pública. Na Venezuela, Evo Morales conseguiu apoio para conceder documentação legal a todos os bolivianos, um grave problema, especialmente no campo. O presidente também firmou com Chávez acordos na área energética. Receberá todo o diesel de que necessita em troca de alimentos, repetindo acordos firmados entre Venezuela, Argentina e Uruguai. A construção de um novo eixo energético na América Latina, envolvendo Brasil, Venezuela, Argentina e Bolívia (que possui a segunda maior reserva de gás natural do mundo) é uma peça-chave no projeto de integração que está em curso. Uma das medidas concretas nesta direção é a construção de um gasoduto que partirá de Puerto Ordaz, na Venezuela, e chegará até a Patagônia argentina. O gasoduto terá entre 8 e 10 mil quilômetros de extensão, consumirá de 17 a 25 milhões de dólares e seis anos de obras até que possa transportar 150 milhões de metros cúbicos de gás por dia para o Brasil e a Argentina. Juntamente com o gasoduto Bolívia-Brasil-Argentina, formará uma malha de integração entre as economias da região. Em termos políticos, essas obras significam um primeiro passo concreto para o fortalecimento da América do Sul diante dos blocos de nações desenvolvidas: o passo da suficiência energética. O sentido estratégico Ao comentar a importância desses acordos, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, destacou a sua dimensão histórica, lembrando que o Brasil, até por sua dimensão territorial no contexto sul-americano, esteve mais voltado para o crescimento isolado, para a substituição das importações, e menos para o intercâmbio intenso com outras nações, em especial os vizinhos. Segundo ele, em maior ou menor escala, este será também o desafio não somente dos parceiros de hoje, como também de uruguaios e paraguaios já abrigados no Mercosul, e chilenos, bolivianos, peruanos, colombianos, equatorianos, num futuro não muito remoto, se depender do trio de presidentes à frente do projeto (Lula, Chávez e Kirchner). “Não podemos esquecer do exemplo europeu”, lembrou Amorim. “Lá, eles levaram décadas para afirmar sua unidade”. Foram mais de 50 anos de trocas de idéias, iniciativas isoladas de países como Bélgica, Holanda e Luxemburgo, no Benelux, até a economia coordenada sob uma moeda única, o euro. A América Latina ainda tem muito o que andar para chegar a um estágio similar. Além disso, trata-se de uma realidade sócio-econômica totalmente diferente da verificada no continente europeu. O tema da dívida, aqui, tem uma importância muito maior. O presidente Chávez propõe a libertação dos países da região da tutela do Fundo Monetário Internacional (FMI) e a criação de um banco latino-americano de desenvolvimento, proposta que já começa a ser discutida com mais seriedade. No Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem apresentando, desde o início do governo Lula, algumas políticas nesta direção, ajudando a financiar projetos de desenvolvimento regional. São idéias e medidas que já estão sendo adotadas e que mostram que a mudança no mapa político da região já se traduz em mudanças políticas também. O que é um consenso na região, e muito enfatizado por Chávez, é que o avanço destas mudanças dependerá muito do que acontecerá no Brasil em 2006. Por Marco Aurélio Weissheimer - PUBLICADO NA REVISTA DOS BANCÁRIOS - NÚMERO 109 - MARÇO DE 2006.



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